 Semanalmente,  na província de Henan, no centro da China, milhões de pessoas assistem a  um extraordinário programa de televisão intitulado, em tradução  literal, “Entrevista Antes da Execução”. Nele, a repórter Ding Yu  entrevista assassinos condenados à morte
Semanalmente,  na província de Henan, no centro da China, milhões de pessoas assistem a  um extraordinário programa de televisão intitulado, em tradução  literal, “Entrevista Antes da Execução”. Nele, a repórter Ding Yu  entrevista assassinos condenados à morte
Para garantir o entrevistado da semana, Ding e sua equipe vasculham  relatórios publicados por tribunais à procura de casos. Os jornalistas  têm de agir rápido, porque os prisioneiros podem ser executados sete  dias após receberem a sentença.
Aos olhos ocidentais, um programa desse tipo pode parecer uma  exploração, mas Ding não concorda. ”Alguns telespectadores podem  considerar cruel pedir a um criminoso que conceda uma entrevista quando  está prestes a ser executado. Pelo contrário, eles querem ser ouvidos”,  diz.
“Alguns criminosos que entrevistei me disseram: ‘Estou realmente  muito satisfeito. Eu disse a você tantas coisas que trazia no meu  coração. Na prisão, não havia alguém com quem eu quisesse falar sobre  acontecimentos do passado’”, conta a jornalista.
O programa foi transmitido pela primeira vez no dia 18 de novembro de  2006 no Canal Lega de Henan, uma entre as 3 mil estações de TV estatais  da China. Ding vem entrevistando um prisioneiro por semana desde então.  O objetivo, segundo a produção do programa, é encontrar casos que  servirão como um alerta para outras pessoas. Um slogan repetido no  início de cada programa pede que a natureza humana acorde e “perceba o  valor da vida”.
Na China, 55 crimes podem ser punidos com a pena de morte, entre  eles, assassinato, traição, rebelião armada, suborno e contrabando.  Recentemente, 13 delitos deixaram de ser puníveis com a pena de morte,  entre eles, contrabando de relíquias e alguns tipos de fraude.
O programa, entretanto, tem como foco exclusivo os assassinatos violentos.
Avisos
Prisioneiros políticos ou casos onde existe dúvida sobre a autoria do  crime não são incluídos no programa. E a equipe tem de obter o  consentimento do tribunal superior de Henan antes de cada entrevista.  ”Sem esse consentimento, nosso programa terminaria imediatamente”, disse  Ding à BBC.
As transmissões ocorrem nos sábados à noite. Com quase 40 milhões de  telespectadores, o programa está entre os dez mais vistos da província,  onde vivem cem milhões de pessoas.
Após mais de 200 entrevistas, Ding Yu é hoje uma estrela, conhecida por muitos como “a bela com as feras”.
Se as pessoas não prestam atenção aos avisos que o programa oferece,  ela diz, então devem sofrer as consequências. ”Sinto pena e lamento por  eles. Mas não tenho simpatia por eles, porque devem pagar um preço alto  por seus erros. Eles merecem (a punição)”.

Muitos  dos casos apresentados no programa são motivados por dinheiro e um caso  em particular chamou a atenção de Ding. Os criminosos eram um casal de  namorados – jovens, educados e com nível superior. O plano envolvia  roubar os avós da condenada, mas não deu certo. O condenado, Zhang Peng,  de 27 anos, acabou matando os avós da namorada.
“Eles eram tão jovens. Nunca tiveram a oportunidade de ver o mundo,  ou de desfrutar da vida, da carreira, do trabalho ou do amor à família.  Fizeram a escolha errada e pagaram com suas vidas”, diz a jornalista. No  entanto, após tantas entrevistas, poucas coisas a surpreendem. “Já  entrevistei criminosos ainda mais jovens do que aquele estudante, alguns  tinham apenas 18 anos. Esta é a idade mínima em que você pode ser  condenado à morte”.
Foi a primeira vez que Ding encontrou um homossexual assumido. “Foi a  primeira vez que encontrei um homossexual, então não pude aceitar suas  ações, palavras e práticas”, afirma. “Embora ele fosse um homem,  perguntou-me com um tom muito feminino: ‘Você se sente estranha falando  comigo?’ Na verdade, me senti muito estranha”. A homossexualidade ainda é  um grande tabu na China. Por isso, em 2008, quando o programa  apresentou o caso de Bao Ronting, um homossexual que havia matado a mãe,  índices de audiência chegaram ao pico.
Ding e sua equipe fizeram mais três programas sobre o caso de Bao  Ronting e o acompanharam até o dia de sua execução, em novembro de 2008.  Durante esses encontros, Bao perguntou a Ding: “Eu vou para o céu?”.  Refletindo sobre essas palavras, ela diz: “Eu sou testemunha da  transição entre vida e morte”.
No dia de sua execução, Bao Ronting foi exibido pelas ruas, em cima  de um caminhão, com uma placa pendurada em seu pescoço detalhando seu  crime. A prática é ilegal na China hoje, mas a lei nem sempre é  respeitada.
Brandura e rigor
O juiz Lui Wenling, que dá consultoria à produção do programa, disse  que as coisas estão mudando no sistema legal chinês. “A política  criminal na China é matar menos e com mais cautela e combinar brandura  com rigor”. “Isso quer dizer, se o caso é apropriado para um tratamento  brando, seja brando, e se o caso deve ser tratado de forma rigorosa, dê  uma punição rigorosa”.
Ding cobriu recentemente o caso de Wu Yanyan, uma jovem mãe que matou  o marido após ter, supostamente, sofrido anos de abusos. Inicialmente,  ela foi condenada à morte pelo assassinato mas, desde 2007, todo  veredito de execução na China tem que ser aprovado pelo Supremo  Tribunal.
O tribunal decidiu que os abusos constituíam circunstâncias  atenuantes e retornou o caso várias vezes ao tribunal local, até que a  sentença de morte fosse suspensa.
Ding visitou a prisão com a filha de Wu Yanyan para um emocionante  reencontro. Se a jovem mãe continuar a se comportar bem na prisão, pode,  após dois anos, acabar sendo libertada – um pequeno sinal de que as  coisas estão mudando na China.
O juiz Pan, um dos mais liberais do país, assim como algumas outras  importantes autoridades do judiciário chinês, anteveem mais reformas de  grande alcance no sistema futuramente. “Uma vida pode terminar em um  piscar de olhos após um julgamento. Eu diria que isso é também muito  cruel”, disse Pan.
“Deveríamos abolir a pena de morte? Uma vez que a sentença de morte  para criminosos é em si mesma um ato violento, deveríamos aboli-la.  Entretanto, não acho que nosso país esteja pronto ainda”, conclui o  juiz.
Fonte: BBC Brasil