Mudanças no solo da Amazônia afetam ciclo hidrológico .

Quem afirma é o cientista e físico Paulo Artaxo, membro do IPCC, órgão vinculado à ONU, durante visita a Manaus (AM)
MANAUS, AM – O físico Paulo Artaxo alerta para a necessidade do país estar melhor preparado para lidar com eventos climáticos extremos. Ele diz que há possibilidade de que inundações e secas fortes sejam mais freqüentes.
O país precisa estar melhor preparado para lidar com eventos climáticos extremos, alerta o físico Paulo Artaxo, membro do IPCC (sigla em inglês do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), órgão vinculado às Nações Unidas (ONU).
Artaxo está em Manaus desde este domingo (23), participando da visita do ministro de Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante.
Ele alerta que não há redes extensas de radares que possam prever alta precipitação em curto prazo. Artaxo diz que nas poucas regiões onde estes radares existem (São Paulo e Rio de Janeiro), a informação não chega à Defesa Civil a tempo de uma ação efetiva.
Membro do Comitê Científico Internacional do LBA, Artaxo é coordenador de um estudo sobre mecanismos de interação entre a floresta e o clima na região amazônica, por meio da emissão de partículas de aerossóis.
O estudo teve a participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e Instituto Max Planck da Alemanha. O trabalho foi publicado ano passado na revista Science. A seguir, a entrevista do pesquisador Paulo Artaxo.
Qual o papel da Amazônia na regulamentação do clima tanto na própria região quanto no restante do país?
A Amazônia, pela sua localidade tropical e sua extensão, é muito importante na manutenção dos fluxos de energia, vapor de água e gases traços na atmosfera de nosso planeta. Uma parte significativa do fluxo de vapor de água no Sul do Brasil sofre influência de processos que ocorrem na Amazônia. O particular balanço de radiação na Amazônia é importante na manutenção dos fluxos de calor e na regulação da temperatura regional.



O bioma amazônico (assim como o Cerrado) vem sendo permanentemente agredido, perdendo vegetação nativa para a pecuária e a monocultura. Estas interferências ambientais desequilibraram o regime das chuvas no restante do país?
Uma parte significativa (17 a 19%) da área da floresta Amazônica original foi desmatada. Com a troca da cobertura vegetal original por áreas de pastagens e cultivos, o fluxo de vapor de água de água para a atmosfera foi alterado, bem como a refletividade do solo, afetando diretamente o balanço de radiação entre outros efeitos.



Sem dúvida, a nível regional, estas alterações no uso do solo afetam o ciclo hidrológico e o regime de chuvas da região. Entretanto o país não dispõe de uma rede meteorológica observacional em operação por longo prazo para detectar e monitorar estas possíveis mudanças climáticas regionais.
O sistema climático Amazônico é muito complexo, e depende de influências externas (La Nina e El Nino, por exemplo) e internas (desmatamento e emissões de queimadas). É muito difícil afirmar em que grau ou se o regime de chuvas é alterado em parte do país pelo desmatamento da Amazônia.
É possível que esteja havendo um efeito, mas precisamos de mais observações e de séries temporais mais longas para podermos afirmar com segurança os possíveis efeitos do desmatamento na chuva no Sul do Brasil, por exemplo.
Podemos dizer que essas alterações influenciam na formação de concentração de chuvas em determinadas regiões do país e o mesmo não acontecendo em outras?
Não é possível afirmarmos com segurança que a chuva está sendo alterada em alguma região da América do Sul por causa do desmatamento da Amazônia. O sistema climático local e regional é caracterizado por altas flutuações temporais e espaciais.
O clima tem altas flutuações inerentes a seu funcionamento. Um particular ano pode chover demais, e no ano seguinte a região secar, por exemplo. É uma previsão clara de praticamente todos os modelos climáticos de que a frequência dos eventos climáticos extremos vai aumentar.
A maior energia disponível no sistema climático é dissipada através de furacões, chuvas pesadas, tornados, etc. É impossível hoje atribuir de modo unívoco uma particular chuva forte como a do Estado do Rio de Janeiro às mudanças climáticas.Mas se estes eventos extremos começarem a ocorrer de modo muito mais frequente após alguns ano, talvez será possível atribui-los às mudanças climáticas. Mas, acredito que em alguns anos teremos uma resposta clara a esta questão.
O acontecimento no Rio não é um evento isolado. Vemos uma tendência mundial de eventos climáticos cada vez mais fortes. Para o Estado, porém, esses fenômenos são pontuais. Qual a avaliação que o senhor faz do despreparo do gestor público?
É fundamental que o país esteja muito melhor preparado para lidar com eventos climáticos extremos. Um fortalecimento da defesa civil, com legislação mais restritiva de ocupação de encostas e penalidades aos administradores públicos que não cumprem a legislação são algumas das medidas necessárias e urgentes.



A possibilidade de que inundações e secas fortes sejam mais frequentes é alta. Recentemente até a região Amazônica foi palco de secas intensas. O despreparo do poder público é muito grande no Brasil.



Não há redes extensas de radares que possam prever alta precipitação em curto prazo, e nas poucas regiões onde estes radares existem (São Paulo e Rio de Janeiro), a informação não chega à Defesa Civil a tempo de uma ação efetiva.
As equipes de defesa civil tem que possuir profissionais capacitados em várias áreas e equipamentos e sistemas de alerta eficientes e rápidos. Infelizmente isso ainda tem que ser feito.
Chuvas torrenciais, de muito volume, seca extrema e prolongada. Podemos dizer que isto será o futuro do Brasil caso nada se faça para evitar o atual modelo de gestão ambiental?
Precisamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa o quanto antes, para que os efeitos ambientais sejam o menor possível. Se permitirmos que a temperatura suba acima de 2.5 a 3 graus centígrados em média, o impacto econômico e social será muito forte, com um aumento forte da incidência de eventos climáticos extremos como inundações.
Sem uma forte redução de emissões, este cenário poderá ocorrer em 2050-2060, mas é importante observar que nesta década talvez já possamos identificar o papel do homem no aumento da incidência de fenômenos climáticos extremos.

fonte:agencia amazonia